Olhos Nos Olhos
Agora falo eu. Sim, é o Alvin, ex-402. Para quem se perguntava sobre o meu paradeiro, aqui estou, vivo e de boa saúde. Continuo o mesmo puto baixinho, brincalhão (agora com 40, uns quilitos a mais e uns cabelos a menos), como alguns de vós (do curso do Chagas, de 77) me conheceram melhor.
Sou polícia (irónico, não é?), casado, sem filhos e vivo em Linda-a-Velha, já desde 94, e vim para a grande metrópole em 92, por motivos profissionais (invariavelmente, todos os chuis passam por cá).
Embora me tenha desligado completamente do pessoal, acreditem que nunca me esqueci daqueles com quem vivi naquele Colégio (e reparem que o escrevo com letra maiúscula), tanto dos que recordo com saudade, como daqueles que más memórias me trazem. E para estar aqui é porque mantenho contacto com alguns desse tempo e também visito este blog. E foi precisamente por, com grande surpresa, me ver como tema de discussão, que resolvi “levantar o véu” e dar alguns esclarecimentos pessoais, para clarificar qualquer dúvida sobre o assunto em apreço.
De facto, todo aquele episódio dos “interrogatórios pidescos” foi terrivelmente marcante. Para mim e para outros, particularmente para o “Fozi”, com quem, devo dizer, tive um relacionamento porreiro. Para este último, que era um aluno de excepção (conduta e aproveitamento), foi imperdoável o que lhe fizeram. Conspurcaram o verdadeiro espírito do Colégio Militar num inocente, de forma brutal e asquerosa. A minha sincera pena e solidariedade, Fozi. Também um grande abraço para o 376 – Lopes (de cuja alcunha já não me lembrava – tive que ir à enciclopédia colegial, i.e. Chagas).
Continuando… Quanto a mim, que já era suspeito do costume (porque andava sempre na berlinda por tudo e mais alguma coisa – sim, fui muito massacrado!), portanto se calhar até andava a pedi-las e paguei por aquela que não tinha cometido e por outras que tinha cometido. Só quero que fique bem claro mais uma vez que tudo aquilo que alguns passaram naquela episódio de má memória, não é da minha culpa. Eu não era flor que se cheirasse, é certo, mas o que eu e outros (miúdos) passámos foi realmente degradante para aquela casa secular, ícone de tradição, honra e cavalheirismo. Os alunos graduados que lideraram todo aquele enredo também mereciam uma coisa que eu cá sei.
Posso garantir-vos que em 14 anos de profissão já vi muita merda e muito facínora (e trabalhei nalguns dos piores sítios, acreditem) e sei reconhecer a maldade quando a vejo. E ali, meus caros, houve despotismo e maldade pura – não tentemos amenizar. Caso se perguntem, não, como polícia nunca o fiz e nunca permiti que o fizessem com o meu conhecimento. Mas este tema já foi debatido amplamente, não quero tocar-lhe mais, pois já bastaram estes anos todos a tentar esquecê-lo.
Outro esclarecimento é o seguinte: eu fui, claro, convidado a sair do Colégio, não saí por iniciativa própria. De qualquer forma, acho que não suportaria a vergonha de lá continuar, dadas as circunstâncias do meu passado em relação a furtos que tinha cometido. Não o escondo – é verdade.
A minha consideração final é a seguinte: de facto, o Colégio Militar não se faz destes tristes episódios, nem desta minoria que fracassa nestes dois aspectos: comportamento e/ou aproveitamento escolar. E eu sou o primeiro a atestá-lo. Não queria que o meu caso fosse divulgado, pela vergonha que persiste em ensombrar-me. Mas vivo com isso e não me atormenta propriamente, pois já passou algum tempo (20 anos) e arrogo-me o direito de regeneração – perdão ficará à vossa consideração. Quero sim dizer que, até eu, que vivi 7 anos que abarcaram parte das minhas infância e adolescência, e que cometi muitas argoladas, sinto hoje que nem tudo se perdeu. Aquela casa incutiu-me realmente valores, que me têm valido ao longo da vida. Eu noto a diferença entre a minha forma de estar e a dos outros, nos mais diversos aspectos. Por isso, agradeço tudo o que o Colégio Militar me ensinou de bom e quero esquecer os aspectos negativos. Aquela casa não morreu para mim, e especialmente os meus camaradas de curso adoptivo (os de 77), por ter sido repetente. Espero ainda vir a dar um valente abraço a muitos deles, se os voltar a ver, como já aconteceu nalguns casos. A lagrimazita vai vir, da força da emoção.
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Texto enviado para publicação pelo Alvin, na sequência dos acontecimentos referidos nos comentários do "post" No Divã da "Enferma": O Botão Encarnado.