domingo, abril 13, 2008

O Curso de Pára-quedismo (Parte III)

Continuação de O Curso de Pára-quedismo (Parte II).

O Primeiro Salto

8 de Agosto de 1985. Finalmente, após um período de treino intensivo, chegou o dia do nosso primeiro salto.

Após o pequeno-almoço, fomos levados até à placa da Base Aérea de Tancos, onde nos equipámos.

Os nervos e a adrenalina faziam com que reinasse a boa disposição. Os instrutores gritavam perguntas, às quais respondíamos em coro. "Vamos saltar? SIIIIM! Alguém tem medo? NÃÃÃÃÃÃO!" Mais tarde, a caminho do avião, combinámos que, antes de saltar, à pergunta "alguém tem medo?" responderíamos em coro "o Aspirante Bonito!".

Neste nosso primeiro salto não íamos sozinhos. Faziam-nos companhia cerca de duas dezenas de instruendos pára-quedistas, e o que nos começou a perturbar foi o ar visivelmente assustado que todos eles tinham. Estavam brancos como a cal, e não diziam uma palavra.

Pouco a pouco, começámos a meter conversa. Era o primeiro salto? Não, era para aí o quinto ou sexto... então porquê o ar de pânico?

Percebemos então que este grupo tinha "descolado" de vários cursos devido a acidentes em saltos. Todos eles tinham partido alguma coisa (braços, pernas, etc.) ou feito queimaduras em arrastamentos em saltos anteriores há alguns meses. Agora, à medida que iam ficando curados, tinham que fazer os saltos em falta para poderem receber a boina.

Para eles, os acidentes na aterragem não eram uma ameaça, mas sim uma realidade que já tinham vivido e que os tinha incapacitado temporariamente, e era por isso que estavam perturbados.

Depois de equipados, avançámos para o Aviocar e ocupámos os nossos lugares. Poucos minutos depois, o avião descolou.

O barulho no interior tornava as conversas difíceis, e nessa altura também já não havia muita vontade de conversar, pelo que aguardámos com a tranquilidade possível o momento do salto.

A data altura, o sargento que tinha a função de largador abriu a porta do avião, e pudemos todos olhar lá para fora. Viam-se com clareza as árvores, as casas, os carros... íamos saltar desta altura? Estávamos quase no chão!

Ao sinal combinado, levantámo-nos e encaixámos a peça metálica da nossa tira extractora no cabo de aço que passava por cima das nossas cabeças. Seria essa tira que permitiria ao nosso pára-quedas sair automaticamente do seu saco e abrir-se.

À pergunta "alguém tem medo?", gritámos "o Aspirante Bonito!", mas o barulho era tanto que não deu para perceber.

Depois, foi como nos filmes: apagou-se a luz vermelha e acendeu-se a luz verde, e o largador fez sinal ao Aspirante Bonito para avançar. Houve um momento de pausa, durante o qual o Aspirante Bonito tentou perceber se aquele sinal de avançar era efectivamente o sinal de avançar, ou simplesmente algum movimento extemporâneo feito pelo largador. Desfeita a "dúvida", o Aspirante Bonito saiu finalmente pela porta fora, e atrás dele foram todos os restantes saltadores, de forma mecânica.

"Trezentos-e-trinta-e-AAAAAAAHHHHHHHH!". Em menos de um instante o pára-quedas estava aberto, ainda com os cordões quase paralelos ao chão, e depois balançou até atingir a posição normal de descida. À medida que o avião se afastou, ficou um silêncio total.

Olhei em volta para ver onde estavam os outros. Alguns estavam mais abaixo, enquanto outros pareciam ter apanhado correntes ascendentes e estavam a ficar "para trás". Experimentei puxar as tiras, apenas para confirmar a suspeita de que não adiantava nada, e deixei-me ir a gozar o momento.

O chão aproximava-se rapidamente, e chegou o momento de preparar a aterragem. Puxei as tiras para o peito e coloquei as pernas na posição correcta...

O contacto com o chão foi forte, mas suportável. Levantei-me e corri até o pára-quedas se "fechar", evitando assim ser arrastado. Estava terminada a aventura do primeiro salto.

Depois de enrolarmos e ensacarmos os pára-quedas, juntámo-nos todos para partilhar as experiências. Um Oficial pára-quedista aproximou-se e deu-nos os parabéns: "Estiveram muito bem! Só houve um que parecia um 'saco de batatas' a cair no chão". Rimo-nos todos e quisemos saber quem tinha sido. "Foi logo o primeiro", disse-nos o Oficial. O Aspirante Bonito era o "saco de batatas".

Continua em O Curso de Pára-quedismo (Parte IV).

Fotografias extraídas de http://fotos.paraquedistas.com.pt.

1 comentário:

RPL disse...

E eu a pensar que tinhas levado a máquina contigo!

Como se não tivesses coisas suficientes em mãos...