terça-feira, abril 29, 2008

"Alguém" - Menau

"'Para alguém sou um lírio entre os a&ro%$#»...'", ditou o Menau, enquanto andava de um lado para o outro da sala, à frente do quadro.

"Desculpe, 'Stor', entre os quê?"

"A&ro%$#»."

"Desculpe, 'Stor', não percebi. Entre os agrolhos?"

"Não é a&ro%$#», é a&ro%$#»!"

"Agrórios?"

"Vós sois surdos, ou quê? A&ro%$#»! 'Para alguém sou um lírio entre os a&ro%$#»...'"

O Menau tinha um sotaque nortenho carregado, e falava de uma forma arrastada, projectando uma chuva de perdigotos até uma distância de 2 metros. Não valia a pena insistir nos pedidos de repetição; após uma troca furtiva de opiniões, concluímos que provavelmente a palavra alienígena seria "abrórios". Por acaso não era, mas tanto faz, estava resolvido o impasse e seguíamos em frente.

"'... E tenho as formas ideais de Cristo...'"

"'... E tem as formas ideais...'"

"'E tenho'! TENHO!"

"'... Para alguém sou a vida e a luz dos olhos...'"

"'... E, se na terra existe, é porque existo'."

A declamação foi prosseguindo a um ritmo acelerado, e com ela todas as dúvidas que iam sendo colocadas em relação a palavras cuja dicção não era a mais clara. A cada interrupção, o Menau reagia com uma irritação progressivamente maior, mas não era uma irritação normal, era uma irritação misturada com... emoção?!

A malta começou a sentir que se passava qualquer coisa de anormal, e imediatamente o ditado se transformou num jogo no qual quem fizesse a interrupção mais irritante ganhava. Mesmo que a frase fosse clara, havia sempre quem obrigasse o Menau a repeti-la várias vezes, o que ele fazia com crescente irritação, mas sem a fúria destinada a situações deste tipo, a mesma fúria devastadora que dirigia habitualmente a quem usava repetidamente a palavra "portanto".

"'...Esse alguém abre as asas no meu leito...'"

"'... do meu leite...'"

"'No meu leito'! 'NO MEU LEITO'!"

A tensão crescia, e o clímax aproximava-se. Finalmente, o Menau murmurou um doloroso "'... És tu, doce velhinha, ó minha mãe!'".

Após um breve silêncio, surgiu a pergunta inevitável: "... 'Stor', 'ó minha quê'?".

"'... Ó minha mãe'! Mãe! MÃE! Vós sois uns insensíveis! Vós não tendes mãe? Vós não mereceis as mães que tendes!". O Menau mal conseguia falar, com a voz completamente embargada pela emoção. Escorriam-lhe lágrimas pela face, que ele limpava enquanto balbuciava frases completamente imperceptíveis.

Passaram uns minutos até que o Menau recuperasse completamente a compostura, e a aula prosseguiu com o programa habitual: chamadas ao quadro feitas a voluntários previamente seleccionados por nós, que eram os únicos que faziam o TPE.

Por ocasião do Dia da Mãe, com uma dedicatória especial ao Menau e a todas as Mães do mundo, aqui fica o poema de Gonçalves Crespo, "ALGUÉM".

ALGUÉM

Para alguém sou um lírio entre os abrolhos,
E tenho as formas ideais de Cristo;
Para alguém sou a vida e a luz dos olhos,
E, se na terra existe, é porque existo.

Esse alguém, que prefere ao namorado
Cantar das aves a minha rude voz,
Não és tu, anjo meu idolatrado,
Nem, meus amigos, é nenhum de vós!

Quando alta noite me reclino e deito
Melancólico, triste e fatigado,
Esse alguém abre as asas no meu leito,
E o meu sono desliza perfumado.

Chovam bênçãos de Deus sobre a que chora
Por mim além dos mares! Esse alguém
É de meus dias a esplendente aurora,
És tu, doce velhinha, ó minha mãe!

quarta-feira, abril 23, 2008

Memórias do Baú CXXVIII - O Curso de Pára-quedismo


A fotografia mostra o avião no qual fizemos os últimos 4 saltos do curso, o Dornier 27A-3 de matrícula CS-AQS, uma "relíquia" do final da década de 50.

Quando, 9 anos mais tarde, voltei ao Aeródromo de Évora, ninguém queria acreditar que eu ainda tinha voado na DO (dê-ó, no género feminino, como o avião era carinhosamente tratado). O piloto da altura, o Comandante Elyseu, ainda por lá andava, e confirmou que esse deverá ter sido o ano de despedida da DO, para dar lugar aos mais modernos e eficientes Cessna 182.

Sem o saber, voámos num avião "mítico".

Para acederes ao "post" seguinte sobre o Curso de Pára-quedismo, clica aqui.

domingo, abril 13, 2008

O Curso de Pára-quedismo (Parte III)

Continuação de O Curso de Pára-quedismo (Parte II).

O Primeiro Salto

8 de Agosto de 1985. Finalmente, após um período de treino intensivo, chegou o dia do nosso primeiro salto.

Após o pequeno-almoço, fomos levados até à placa da Base Aérea de Tancos, onde nos equipámos.

Os nervos e a adrenalina faziam com que reinasse a boa disposição. Os instrutores gritavam perguntas, às quais respondíamos em coro. "Vamos saltar? SIIIIM! Alguém tem medo? NÃÃÃÃÃÃO!" Mais tarde, a caminho do avião, combinámos que, antes de saltar, à pergunta "alguém tem medo?" responderíamos em coro "o Aspirante Bonito!".

Neste nosso primeiro salto não íamos sozinhos. Faziam-nos companhia cerca de duas dezenas de instruendos pára-quedistas, e o que nos começou a perturbar foi o ar visivelmente assustado que todos eles tinham. Estavam brancos como a cal, e não diziam uma palavra.

Pouco a pouco, começámos a meter conversa. Era o primeiro salto? Não, era para aí o quinto ou sexto... então porquê o ar de pânico?

Percebemos então que este grupo tinha "descolado" de vários cursos devido a acidentes em saltos. Todos eles tinham partido alguma coisa (braços, pernas, etc.) ou feito queimaduras em arrastamentos em saltos anteriores há alguns meses. Agora, à medida que iam ficando curados, tinham que fazer os saltos em falta para poderem receber a boina.

Para eles, os acidentes na aterragem não eram uma ameaça, mas sim uma realidade que já tinham vivido e que os tinha incapacitado temporariamente, e era por isso que estavam perturbados.

Depois de equipados, avançámos para o Aviocar e ocupámos os nossos lugares. Poucos minutos depois, o avião descolou.

O barulho no interior tornava as conversas difíceis, e nessa altura também já não havia muita vontade de conversar, pelo que aguardámos com a tranquilidade possível o momento do salto.

A data altura, o sargento que tinha a função de largador abriu a porta do avião, e pudemos todos olhar lá para fora. Viam-se com clareza as árvores, as casas, os carros... íamos saltar desta altura? Estávamos quase no chão!

Ao sinal combinado, levantámo-nos e encaixámos a peça metálica da nossa tira extractora no cabo de aço que passava por cima das nossas cabeças. Seria essa tira que permitiria ao nosso pára-quedas sair automaticamente do seu saco e abrir-se.

À pergunta "alguém tem medo?", gritámos "o Aspirante Bonito!", mas o barulho era tanto que não deu para perceber.

Depois, foi como nos filmes: apagou-se a luz vermelha e acendeu-se a luz verde, e o largador fez sinal ao Aspirante Bonito para avançar. Houve um momento de pausa, durante o qual o Aspirante Bonito tentou perceber se aquele sinal de avançar era efectivamente o sinal de avançar, ou simplesmente algum movimento extemporâneo feito pelo largador. Desfeita a "dúvida", o Aspirante Bonito saiu finalmente pela porta fora, e atrás dele foram todos os restantes saltadores, de forma mecânica.

"Trezentos-e-trinta-e-AAAAAAAHHHHHHHH!". Em menos de um instante o pára-quedas estava aberto, ainda com os cordões quase paralelos ao chão, e depois balançou até atingir a posição normal de descida. À medida que o avião se afastou, ficou um silêncio total.

Olhei em volta para ver onde estavam os outros. Alguns estavam mais abaixo, enquanto outros pareciam ter apanhado correntes ascendentes e estavam a ficar "para trás". Experimentei puxar as tiras, apenas para confirmar a suspeita de que não adiantava nada, e deixei-me ir a gozar o momento.

O chão aproximava-se rapidamente, e chegou o momento de preparar a aterragem. Puxei as tiras para o peito e coloquei as pernas na posição correcta...

O contacto com o chão foi forte, mas suportável. Levantei-me e corri até o pára-quedas se "fechar", evitando assim ser arrastado. Estava terminada a aventura do primeiro salto.

Depois de enrolarmos e ensacarmos os pára-quedas, juntámo-nos todos para partilhar as experiências. Um Oficial pára-quedista aproximou-se e deu-nos os parabéns: "Estiveram muito bem! Só houve um que parecia um 'saco de batatas' a cair no chão". Rimo-nos todos e quisemos saber quem tinha sido. "Foi logo o primeiro", disse-nos o Oficial. O Aspirante Bonito era o "saco de batatas".

Continua em O Curso de Pára-quedismo (Parte IV).

Fotografias extraídas de http://fotos.paraquedistas.com.pt.

sábado, abril 05, 2008

De Que Ano É Este Colégio? (Parte II)

Continuação de De Que Ano É Este Colégio? (Desafio).

Lancei há dois anos um desafio no sentido de determinar a data de uma fotografia aérea do Colégio publicada na "História do Colégio Militar", Volume II. Esta fotografia encontra-se também no Museu do Colégio.

Nestes dois anos não consegui determinar a data da fotografia (há que dizer que não me esforcei muito... a resposta há-de vir ter comigo), não sendo possível definir assim o vencedor do desafio.

Entretanto, "tropecei" acidentalmente em mais um momento do voo.


Isto ajuda a determinar a data?

Continua em De Que Ano É Este Colégio? (Parte III).