segunda-feira, setembro 23, 2013

Reforma dos EME: O Impensável

E se uma maioria parlamentar de dois terços alterasse a Constituição sem discutir as alterações com todos os partidos representados na Assembleia da República?

Impensável!

E se a Federação Portuguesa de Futebol alterasse os regulamentos das competições profissionais sem discutir as alterações com os clubes?

Impensável!

E se o Ministro da Defesa Nacional reformulasse os Estabelecimentos Militares de Ensino, extinguindo o centenário Instituto de Odivelas e descaracterizando o bicentenário Colégio Militar, sem discutir as alterações com os pais e encarregados de educação dos(as) alunos(as) nem com os(as) Antigos(as) Alunos(as)?

Impensável!

Impensável, seguramente, mas acaba de acontecer.

A Democracia não é apenas uma norma escrita que obriga à realização de eleições de n em n anos, é uma cultura que se pratica em todas as decisões e em todos os actos de gestão, que dignifica quem a pratica e envergonha quem a nega.

Por isso estamos chocados com o comportamento do Ministro da Defesa Nacional. Por isso perguntamos: porquê?

sábado, setembro 21, 2013

Reforma dos EME: Porquê? O Quê? Como?

Ainda a forma.

Alguns comentários que me têm sido enviados dizem que me foco muito na forma e pouco no conteúdo, ou seja, parece que o meu problema é mais com a forma como a decisão foi tomada, do que com a decisão em si.

Para mim, a forma faz parte do conteúdo; aliás, é mesmo a parte mais importante do conteúdo. Como dizem os anglófonos, "actions speak louder than words": as acções - forma - falam mais alto do que as palavras - conteúdo.

Em qualquer processo de mudança há que responder a 3 questões básicas: "porquê?", "o quê?" e "como?". Porque é que esta mudança é necessária e/ou importante? O que é que vai ser feito para endereçar as questões identificadas? Como - acções concretas, datas, orçamentos, etc. - é que vai ser feito?

No processo de reestruturação dos Estabelecimentos Militares de Ensino (EME), o Ministro da Defesa Nacional (MDN) nomeou uma comissão para responder a estas questões. No fim do trabalho há um conjunto de palavras - um Despacho assinado - e um conjunto de acções que falam mais alto: 1) a comissão não discutiu nenhum dos seus "porquê?", "o quê?" ou "como?" com as entidades que melhor conhecem os EME e que melhores condições têm para participar no processo de mudança: as Associações de Pais e Encarregados de Educação, e as Associações de Antigos(as) Alunos(as); 2) o MDN não respondeu a nenhuma das cartas que lhe foram enviadas nem concedeu nenhuma das audiências que lhe foram pedidas. Para além de uma questão de direito e de justiça, discutir as soluções com estas entidades seria uma prova de inteligência e de boa-fé.

O que é que nos dizem estas acções, e todas as outras que o MDN tem feito desde que o Despacho foi publicado? Que o MDN é um político do tipo "quero, posso e mando" e está de má-fé neste processo. A partir deste momento, o Despacho - as palavras - é irrelevante, esmagado por acções inconcebíveis num Governo que resultou de um processo democrático. É por isso que defendo a suspensão do Despacho e a sua substituição por um processo que envolva, numa lógica de boa-fé, todas as entidades relevantes.

quinta-feira, setembro 19, 2013

Reforma dos EME: Porque Quer

"Porquê?" é a pergunta que a Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar (AAACM) escolheu para a sua campanha. A AAACM quer saber - todos queremos saber - a resposta a algumas perguntas básicas. Porque é que o processo foi conduzido da maneira como foi, à pressa, sem discussão, e com um afastamento deliberado das Associações de Antigos(as) Alunos(as) e das Associações de Pais e Encarregados de Educação? Que soluções foram consideradas? E porque é que foi esta a solução escolhida?

Como todos os políticos, JPAB gosta de mostrar "obra feita", gosta de fazer "reformas", e a reestruturação dos Estabelecimentos Militares de Ensino (EME) afigurou-se-lhe como uma oportunidade perfeita.

Os EME são alvos fáceis: têm alguns problemas, que podem ser exagerados e utilizados como justificação; os pais não vão sacrificar os seus filhos em acções de força; os oficiais superiores não vão arriscar as suas carreiras para os proteger; os militares não vêm para as ruas; a reestruturação faz-se depressa (no tempo que JPAB quiser); as comunidades de Antigos Alunos e Antigas Alunas não têm peso político, não estão infiltradas nas estruturas do Partido, e por isso não vão criar problemas no Partido e no Governo. Para além disso, uma reestruturação dos EME "dá pontos" junto da opinião pública, dado que é um ataque aos "privilégios" dos militares.

JPAB montou uma primeira comissão liderada por um nome "sonante" para ganhar credibilidade, e depois montou uma segunda comissão liderada por uma pessoa da sua inteira confiança para produzir o relatório com o resultado pretendido.

JPAB tem no seu curriculum que foi mediador em diversas instituições de mediação de conflitos. Sabe, portanto, o que é a gestão da mudança, e sabe que num processo de reestruturação deve envolver os "stakeholders" para conhecer melhor a realidade, deixar as pessoas falar, ouvir os seus argumentos, e assim melhorar a solução e aumentar as probabilidades de sucesso. Então porque é que JPAB escolheu ignorar deliberadamente todos os "stakeholders" e criar um conflito com estes? Porque sabia que uma discussão séria exigiria sempre algum tempo, e JPAB sabe o que quer, e não quer perder tempo com conversas.

Basta olhar para JPAB para perceber que é um homem orgulhoso, alguém que alimenta conflitos e que se alimenta de conflitos. Ao contrário de outros políticos, que se desgastam com as críticas e perdem a motivação, JPAB "vibra" com a confrontação e destaca-se pela riqueza da sua retórica. É por isso que JPAB chegou onde chegou dentro do Partido, e é por isso que ainda hoje o Primeiro-Ministro o usa para reagir "a quente" e responder agressivamente à oposição em alguns temas do dia-a-dia.

A partir do momento em que saiu o Despacho e os "stakeholders" se indignaram, quer pela forma como o processo decorreu, quer pelo conteúdo, todo este processo passou a ser um jogo. Já não estamos a discutir uma reforma de instituições centenárias, estamos a discutir quem ganha, e JPAB não pode perder, não vai perder. Para assegurar isso, pôs a sua "máquina" a funcionar, e começaram a surgir as notícias nos jornais, a criação da "marca branca" e o respectivo vídeo de promoção, as insinuações de dúvidas sobre a origem do dinheiro gasto pela AAACM, etc. Num ápice, os "bloguistas da moda", "parasitas" dos dinheiros públicos e fornecedores habituais de JPAB, colocaram toda a sua imensa graça ao serviço desta causa, tudo feito "fora de horas", naturalmente.

Alguns falam em interesses imobiliários ligados aos terrenos do Colégio ou ao edifício do Instituto de Odivelas, outros falam do "avental"... não conheço quaisquer motivos invisíveis, mas espero que alguém que os conheça os revele. Aquilo que eu vejo é uma figura autoritária, que não responde a cartas nem a pedidos de audiência, e que destrói a "alma" de duas instituições centenárias sem sequer lhes dar uma oportunidade.

Esperemos que o próximo Ministro da Defesa Nacional venha a tempo de parar a destruição iniciada por JPAB e construir uma solução que defenda os interesses das instituições, dos alunos e alunas, e de Portugal.

segunda-feira, setembro 16, 2013

Reforma dos EME: Porque Pode

O Ministro da Defesa Nacional, José Pedro Aguiar-Branco (JPAB), está a fazer uma reforma que acaba com o Instituto de Odivelas e desvirtua completamente o Colégio Militar. Porquê? Por dois motivos: porque quer e porque pode. Vamos analisar o "porque pode".

O Primeiro-Ministro pode impedi-lo?

JPAB chegou ao Governo num processo de pacificação do PSD, depois de ter sido um dos candidatos derrotados por Pedro Passos Coelho (PPC) na eleição para Presidente do Partido. Apesar de JPAB não ter tido uma votação significativa, PPC achou por bem dar-lhe uma posição de destaque, usando a velha máxima da Mafia: "keep your friends close and your enemies closer".

Quando se dá uma missão a alguém, tem que se lhe dar meios para que a execute, e a autonomia para tomar decisões é o meio mais importante. Sendo assim, PPC não deve desautorizar JPAB interferindo nas suas decisões, sobretudo em temas menores (à escala governativa) como a reestruturação dos Estabelecimentos Militares de Ensino (EME). Para além disso, PPC precisa do Governo e do Partido unidos à volta das medidas duras que estão a ser tomadas para o País, pelo que o que ele menos quer agora é este "Barão do Norte" a criar um foco de desestabilização no Partido e no Governo. E JPAB promete poupanças com esta reestruturação, que é precisamente a conversa que PPC quer ouvir nesta fase.

Mesmo que PPC tenha alguma simpatia pelo Colégio, e não há qualquer evidência disso, nunca diria mais do que "recebe lá os gajos, que estou farto de os ouvir", sugestão que JPAB seria perfeitamente livre de ignorar. Isto significa que, do lado do Primeiro-Ministro, JPAB não terá qualquer oposição.

A Presidência da República pode impedir JPAB?

O Presidente da República (PR), aluno honorário nº 695 do Colégio Militar, certamente imaginava que a Presidência da República era, como foi para os seus antecessores, um "passeio" de 10 anos, o culminar de uma carreira política que o colocaria definitivamente nos livros de história, com direito a quadro a óleo na parede.

O que ele não esperava é que lhe "caísse em cima" a pior crise das últimas décadas, e ficasse toda a gente a olhar para ele à espera de um papel activo na resolução da mesma. O PR já tem muito trabalho para se fazer "invisível", e não quer ter também o problema do Colégio Militar e do Instituto de Odivelas "à perna". Por isso, quando recebeu a carta assinada pelos órgãos sociais da AAACM e por 35 personalidades de reconhecido destaque, a primeira coisa que fez foi passá-la ao Governo, como se ela queimasse mais do que os incêndios que devastam o País. Governo esse que, pelos motivos que já vimos, a meteu no lixo. Isto significa que, do lado da Presidência da República, JPAB não terá qualquer oposição.

A opinião pública pode impedir JPAB?

JPAB tem uma posição invejável no Governo, porque é o Ministro que tutela o grupo pelo qual a opinião pública tem ainda menos respeito do que tem pelos políticos: os militares.

A opinião pública acha que os políticos querem "tacho" e são corruptos, mas ainda tem algum respeito pela obra de alguns, nomeadamente os autarcas, sendo possível ouvir dos eleitores frases simpáticas como "ele rouba como os outros, mas ao menos faz coisas". Quanto aos militares, a opinião pública acha que são simplesmente inúteis. "Estamos em guerra? Há alguma ameaça? Então para que é que é necessário ter dezenas de milhares de militares? E para que é que é necessário ter aviões F-16 e submarinos?"

Tudo o que seja cortar benefícios aos militares é visto com agrado pela opinião pública, e o Colégio Militar é visto como um desses benefícios, uma das heranças do passado que incompreensivelmente ainda não foi destruída, tal como os Hospitais das Forças Armadas. As palavras "casta" e "elite" aparecem sempre associadas ao Colégio, posicionando-o como um encargo desnecessário para os contribuintes.

Para manter a opinião pública neste estado, JPAB conta com agências de comunicação e meios de comunicação social que estão significativamente dependentes dos dinheiros públicos, e que passam regularmente mensagens de descredibilização das Forças Armadas, do Colégio, da AAACM, etc. O Diário de Notícias tem sido um dos meios preferenciais, havendo um jornalista que tem acesso a "fontes" e que tem assinado a maioria dos artigos sobre o tema nos últimos anos, tendo os seus artigos já por mais de uma vez recebido a reprovação por parte do Provedor dos Leitores do próprio Diário de Notícias. As agências de comunicação são pagas para fazer as campanhas como a de promoção dos EME, monitorizam e gerem as redes sociais, etc. Se há coisa fácil de manipular pela equipa de JPAB, é a opinião pública.

Naturalmente que há vozes que se levantam em apoio ao Colégio, mas são vistas como opiniões isoladas de pessoas agarradas ao "antigamente". Isto significa que, do lado da opinião pública, JPAB não terá qualquer oposição.

E quanto às chefias militares? Apesar de dependerem directamente de JPAB, podiam recusar-se, revoltar-se, demitir-se, etc...

Nem pensar. As chefias militares estão a construir a sua carreira, têm os seus objectivos para atingir, os seus homens para gerir, e os seus cortes para fazer. O Colégio Militar não está sequer no Top-50 da sua lista de preocupações. Do lado das chefias militares, JPAB não terá qualquer oposição.

JPAB pode, e sabe que pode. E a verdade é que podia ter decidido fazer muito mais do que está a fazer. Podia pura e simplesmente ter decidido extinguir os 3 EME. Isto quer dizer que temos que lhe... agradecer?

sexta-feira, setembro 13, 2013

Reforma dos EME: Sexo Consensual vs Violação

Esta semana, pela primeira vez em 210 anos, foram admitidas meninas como alunas do Colégio Militar (CM). Não há dúvidas de que se trata de um momento histórico. Então porque é que eu não estou a exultar de alegria?

Sempre fui aberto à entrada de meninas no CM, sempre acreditei que isso ia acontecer mais tarde ou mais cedo, e sempre acreditei que isso iria acontecer por fusão com o Instituto de Odivelas (IO). Até o escrevi há 8 anos num documento que circulou na comunidade de Antigos Alunos. Então porque é que eu não estou a exultar de alegria?

Sempre imaginei um momento em que, independentemente das questões financeiras, as partes envolvidas, num processo bem conduzido pela tutela, concordariam que era possível fundir os 3 Estabelecimentos Militares de Ensino (EME) num só, seguindo o modelo de alguns prestigiados colégios ingleses, e que o escolhido seria o CM, pela sua maior antiguidade, maior prestígio, e melhores instalações. Sempre imaginei que o modelo seleccionado permitiria preservar o que de melhor existe nos 3 EME, mantendo turmas com ensino diferenciado para quem o desejasse, mantendo Batalhões separados por género para respeitar a especificidade e desenvolver as capadidades de liderança de ambos, mantendo um número de alunos(as) externos(as) limitado para não destruir o internato, mantendo as tradições, etc.

É claro que isso levaria a uma mudança no CM, mas o CM tem mudado ao longo dos anos, tem-se adaptado à conjuntura em que se insere, e continuaria a fazê-lo, mantendo no entanto o espírito do seu Fundador.

Mas porque é que eu não estou a exultar de alegria?

Não estou a exultar de alegria porque existe uma diferença - toda a diferença do mundo - entre sexo consensual e violação, apesar de, em termos objectivos, serem ambos sexo.

A reforma actual foi montada e executada contra tudo e contra todos, devido à obstinação de um homem que usa de forma autoritária o poder que foi colocado à sua disposição. Esta reforma acontece desta forma essencialmente por dois motivos simples: porque ele quer e porque ele pode.

Os Antigos Alunos do CM foram violados porque andam desde o ano 2000 a fazer estudos sobre o futuro do Colégio, e a tentar convencer a tutela de que é necessário fazer mudanças, sem que ninguém quisesse pegar no tema. Neste processo de mudança foram propositada e ostensivamente ignorados, não tendo resposta às cartas escritas, aos pedidos de audiência, e aos apelos feitos. Além disso, sem que a sua opinião fosse ouvida e discutida, foram chamados pelo poder político de retrógrados, machistas, elitistas, e até de corruptos, com insinuações sobre a proveniência do dinheiro usado na campanha publicitária.

As Antigas Alunas do IO foram violadas porque foram informadas de que a sua escola seria extinta sem terem qualquer possibilidade de intervir no processo, nem para o evitar, nem para o condicionar. Tal como os Antigos Alunos do CM, viram os seus apelos ignorados e tiveram direito aos mesmos "piropos" com que estes foram mimados. Não tendo entre as suas Antigas Alunas Generais, ex-Ministras, etc., foram "trituradas" com muito mais facilidade pela "máquina".

Os pais e encarregados de educação do CM e do IO foram violados porque nunca ninguém quis discutir com eles o futuro das escolas onde decidiram colocar os seus filhos. "Isto é assim, e se não gostam ponham os vossos filhos noutra escola qualquer", foi a mensagem que acabaram por assimilar de todo este processo. Naturalmente que também os(as) respectivos(as) filhos(as) e educandos(as) foram violados(as) neste processo, mas se a opinião dos pais e encarregados de educação é considerada irrelevante, muito mais irrelevante será a opinião de crianças e adolescentes.

O Director do IO foi violado porque enviou uma mensagem de simpatia e esperança aos pais e encarregados de educação das alunas, e teve imediatamente direito a "um novo desafio".

Um conjunto de figuras de peso na sociedade, que foram signatários da carta ao Presidente da República, bem como diversos comentadores que se manifestaram a favor do diálogo e do bom-senso, foram violados porque as suas opiniões foram simplesmente ignoradas. Foi como se nunca tivessem sido proferidas.

A Sociedade Civil, através de milhares de pessoas que manifestaram nas redes sociais simpatia para com o CM e o IO, apelando à procura de uma solução mais adequada, foi violada. São "povo", e a sua voz "não chega ao céu".

Tudo isto acontece enquanto o Ministro tece rasgados elogios ao ensino dos EME, apresentando-se como o maior defensor dos mesmos.

A imprensa comentou que, "apesar da polémica, as meninas foram bem recebidas..." Claro. O que é que imprensa esperava? Que as meninas e os respectivos pais e encarregados de educação, que não têm qualquer responsabilidade nesta "palhaçada", fossem maltratados numa instituição onde o respeito é um dos principais valores transmitidos? O Director do Colégio Militar fez o seu papel: garantir a harmonia e o bem-estar dos alunos e alunas colocados à sua responsabilidade.

Aquilo que podia ter sido um momento especial para toda a comunidade dos 3 EME, acaba por ser um momento em que um Ministro, com a respectiva "máquina", se impõe com autoritarismo sobre duas instituições e os respectivos representantes, e choca mais porque nem sequer houve conversa para perceber se se chegava a um entendimento, partiu-se logo para a violação.

Como acontece com todas as violações, a vida continua, mas as marcas demorar a sarar, e há algumas que ficam para sempre.

Acima de tudo, fica no ar a pergunta que os Antigos Alunos fizeram na sua campanha: "porquê?"

terça-feira, setembro 10, 2013

Reforma dos EME: A Questão Central

"Porque é que não querem meninas no Colégio Militar?" parece ser a questão que toda a gente coloca hoje em dia aos Antigos Alunos. Mérito da "máquina" de comunicação do MDN, que conseguiu focar a discussão nesta falsa questão, e demérito nosso, que não conseguimos focar a discussão nas questões centrais.

Vamos imaginar que este processo tinha sido gerido de forma participada e não com autoritarismo com verniz, e que o Despacho era o resultado dessa discussão, ouvidas todas as partes, discutidos todos os pormenores, e decidida a forma final por quem tem o poder para o fazer.

Porque é que este resultado final não serve?

O Colégio Militar tem 210 anos de história. Ao longo da sua existência a instituição foi mudando, mas houve determinados aspectos que se foram mantendo e que contribuem para que o "produto final" seja consistente ao longo dos anos. Uns chamar-lhe-ão "ADN", outros "ethos", outros "Alma", outros "mística", mas existe de facto qualquer coisa que faz com que as diferentes gerações de Meninos da Luz partilhem entre si valores que conduzem a comportamentos coerentes perante as situações com que se deparam, especialmente quando estas saem da normalidade. Este "ADN" é o factor que leva os pais a colocarem os seus filhos no Colégio Militar, reconhecendo o contraste face ao ambiente que se vive na maioria das escolas do País.

O mesmo pode seguramente ser dito do Instituto de Odivelas, e esta reforma começou por agarrar no "ADN" do Instituto de Odivelas e "mandá-lo pelo cano abaixo". Assim, sem mais conversa, uma forma de educar afinada ao longo de 113 anos e que tem apresentado bons resultados foi deitada fora sem que nada fosse tentado para a salvar, quer viabilizando o Instituto, quer garantido uma integração adequada no Colégio Militar. E isto foi feito "a sangue frio", sem que fosse discutido com a Associação de Pais e Encarregados de Educação e com a Associação de Antigas Alunas.

Como é que é possível encerrar-se assim uma escola como o Instituto de Odivelas, como se fosse uma qualquer escola do interior que ficou sem alunos por falta de crianças, e como é que é possível que ninguém com responsabilidades ao nível da governação do País se manifeste, são questões que ainda estão à espera de uma resposta. Uma decisão destas devia tirar o sono a quem a tomou, mas seguramente que os responsáveis dormem descansadamente, como se nada se passasse. Uma decisão destas, nem que seja pela forma como foi tomada, devia ter consequências políticas, mas estamos numa sociedade sem valores, que vê com indiferença a destruição do pouco que resta.

As alunas irão migrando para o Colégio Militar "aos bochechos", sendo integradas numa forma de funcionamento completamente diferente, e em 2016 a última despede-se de D. Diniz, apaga a luz e fecha a porta, e o Instituto de Odivelas estará oficialmente extinto.

Entretanto, esta reforma "agarra" no Colégio Militar e passa-o de uma tradição de 210 anos de internato masculino para um internato/externato misto em apenas 2 anos, sendo que a maior parte das mudanças são feitas logo no primeiro ano, passando a haver alunos internos entrados para anos avançados, alunos externos e alunas externas.

O "ecossistema" do Colégio Militar baseia-se numa estrutura liderada pelos alunos dos últimos anos, designados por "Graduados", que acumulam com as suas responsabilidades escolares as responsabilidades de gerirem o Batalhão Colegial. Esta mudança súbita de modelo, com tantas variáveis diferentes para integrar num só ano, vai irremediavelmente destruir o modelo existente, dando lugar a qualquer coisa de novo, seguramente muito distante do original.

O "ADN" do Colégio não vai conseguir resistir a uma mudança tão profunda num tempo tão curto, e dentro de poucos anos o Colégio Militar não será mais do que a Escola Secundária Militar da Luz, um externato igual a tantos outros, onde os alunos, se as famílias assim o desejarem, também podem pernoitar. E se o "produto" não for diferenciado, os clientes não o procurarão, o que levará à sua extinção.

Este Governo conseguirá, assim, destruir de uma só vez o "ADN" de duas escolas de prestígio. A isto é que se chama "fazer história".

O que é que pretendem os Antigos Alunos? Duas coisas simples: diálogo e tempo. Diálogo, para que se possa sair do autoritarismo com verniz que actualmente existe, para que as pessoas possam participar na discussão e tentar arranjar as melhores alternativas para preservar o que de bom existe nas duas instituições. Tempo, para que as mudanças que venham a ser decididas possam ser executadas de forma faseada, sem causar disrupção.

É só isto que os Antigos Alunos querem; tudo o resto é "ruído" causado pela "máquina" de comunicação do Ministério da Defesa Nacional para desviar o foco dos temas centrais.

A "certidão de óbito" do Instituto de Odivelas já tem data marcada. E, embora não seja tão explícito, a do Colégio Militar também. A Escola Secundária Militar da Luz pode durar mais uns anos, dependendo da disponibilidade das famílias para pagar por uma Escola Secundária com actividades extracurriculares, e da pressão imobiliária que houver sobre as instalações, mas já não será o Colégio Militar que conhecemos, que o País respeita e os Antigos Alunos amam.

sábado, setembro 07, 2013

Reforma dos EME: A Negação da Democracia

Por vezes, quanto mais básicos e fundamentais são os direitos, mais veementes somos a exigi-los para nós, e mais rápidos somos a negá-los aos outros. A presunção da inocência é um dos exemplos mais simples: somos muito rápidos a julgar os outros, que são sempre uns “bandidos”, mas nós somos inocentes até que a última instância confirme a condenação (e mesmo depois disso).

A responsabilidade do estado é zelar pelo respeito dos direitos dos Cidadãos, para evitar a “justiça popular” e a tomada de decisões contrárias aos interesses e às necessidades das populações. Esta é a essência da Democracia: representantes eleitos pelo povo que gerem os bens e serviços comuns no interesse de todos.

É por isso que há inúmeros mecanismos na lei para que as pessoas possam tomar conhecimento das propostas de decisão e possam discuti-las e apresentar alternativas. Um exemplo: os processos de Concertação Social. O Governo pode não ceder um milímetro nas suas posições, mas é obrigado a discuti-las com os Sindicatos. Outro exemplo: os projectos urbanísticos. É obrigatória a exposição pública durante um determinado período, para que os Cidadãos possam tomar conhecimento, discutir, apresentar alternativas, etc.

Não interessa se as decisões são as “melhores”, os governados têm sempre direito a discuti-las. Uma ditadura com petróleo, onde toda a gente tem uma boa casa, um bom carro e um bom ordenado, não deixa de ser uma ditadura, porque nega às pessoas aspectos fundamentais como o de poderem decidir sobre quem os governa, discutir a forma como os governa, e de poderem candidatar-se a governar.

A reforma dos Estabelecimentos Militares de Ensino (EME) sofre na sua base desta negação da Democracia. As entidades que têm relações mais fortes com os EME – Associações de Pais e Encarregados de Educação, e Associações de Antigos(as) Alunos(as) – , sendo que as primeiras têm até um estatuto específico definido pela lei, não foram envolvidas no processo e não tiveram a oportunidade de discutir a solução proposta, criticá-la, apresentar alternativas, etc.

Não se confunda “serem envolvidas” com “serem ouvidas”. Um decisor pode ouvir todos os envolvidos, registar as suas opiniões, e depois tomar uma decisão e comunicá-la. Isto não é Democracia, é autoritarismo com uma camada de verniz. Democracia é ouvir os envolvidos, preparar uma proposta de decisão, apresentá-la aos envolvidos, ouvir os seus argumentos, e tomá-los em consideração. No fim será necessário tomar uma decisão, e alguém está mandatado para o fazer, mas não o terá feito sem discutir com todos os envolvidos e lhes dar uma oportunidade para conhecerem e criticarem a solução.

A reforma dos EME seguiu o caminho do autoritarismo com uma camada de verniz. As Associações que mostraram interesse em ser ouvidas foram ouvidas, a sua “papelada” foi recebida, não houve qualquer comentário, resposta ou partilha da outra parte, e uns meses depois apareceu um relatório final, logo seguido por um Despacho a dizer o que ia ser feito e como ia ser feito, sem que tivesse havido qualquer possibilidade de discussão.

A reforma dos EME é, assim, um atentado à Democracia, e por isso deve ser imediatamente suspensa. Não são precisas análises sobre o mérito da solução proposta; o simples facto de esta ter sido obtida de uma forma que não respeita a Democracia deve ser suficiente para que o processo volte para trás.

Acham que esta argumentação é ridícula? “Por vezes, quanto mais básicos e fundamentais são os direitos, mais veementes somos a exigi-los para nós, e mais rápidos somos a negá-los aos outros”. Acham que um Governo tem o direito de decidir o futuro do Colégio Militar e do Instituto de Odivelas, instituições centenárias e com prestígio, sem que as respectivas Associações de Pais e Encarregados de Educação – que representam os interesses dos(as) alunos(as) actuais – e Associações de Antigos(as) Alunos(as) – que garantem a manutenção do modelo ao longo dos anos e têm como associados(as) alunos(as) dos últimos 70 anos – tenham a possibilidade de conhecer e discutir a solução proposta? Pensem num tema qualquer que vos é querido, em relação ao qual sentem que têm direitos, e onde acham que a vossa opinião é importante, talvez mesmo fundamental, e depois imaginem vir alguém e tomar decisões sem as discutir com vocês... iam achar que o procedimento não fazia qualquer sentido.

Este é o tema central da discussão, e tudo o resto pode ser dividido em duas categorias, que serão abordadas noutros posts: o “porquê” – porque é que o Governo utiliza neste tema autoritarismo com verniz? – e o “ruído” – todas as informações que têm sido passadas com o objectivo de entreter a imprensa, ocupar as outras partes em desmentidos e esclarecimentos, e manipular a opinião pública, enquanto o processo vai avançando.

segunda-feira, setembro 02, 2013

Reforma dos EME: "Não queremos saber"

É irónico...

Depois de décadas de atenção aos movimentos dos partidos de inspiração marcadamente antimilitarista, bem como ao partido que, apesar de não ser marcadamente antimilitarista, teve no seu programa a extinção do Colégio Militar, a maior ameaça ao futuro do Colégio acaba por vir de um partido que sempre teve posições próximas do Colégio, o que levou até a que um seu ex-líder, hoje Presidente da República, fosse distinguido com a maior honra que o Colégio atribui, a de Aluno Honorário. 

Durante décadas achámos que a ameaça viria dos sectores da sociedade que têm desprezo pelo conceito de Pátria, mas afinal a maior ameaça ao futuro do Colégio acaba por vir de um Governo que faz questão de usar a bandeira de Portugal na lapela.
Durante meses a Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar (AAACM) tentou colocar a sua experiência e o seu conhecimento do Colégio ao serviço da segunda comissão responsável pela reforma dos Estabelecimentos Militares de Ensino (EME). "Não queremos saber", foi a mensagem que foi passada por um Ministério prepotente, que sabe o que quer e não está disponível sequer para fingir que valoriza a opinião das partes interessadas.

Um conjunto de 35 personalidades de relevo na sociedade, nenhuma das quais Antiga Aluna do Colégio, escreveu uma carta ao Presidente da República para que este pedisse ponderação ao Governo. "Não queremos saber", comentou no próprio dia o Ministério.
O Professor Marçal Grilo, responsável pela primeira comissão de análise à reforma dos EME, demarcou-se da forma como o processo está a ser conduzido, sendo um dos signatários da carta. "Não queremos saber", diz o Ministério.
A AAACM pede audiências ao Ministro... nada! A AAACM apela para o Primeiro-Ministro... nada! A AAACM apela para o Presidente da República... nada! "Não queremos saber".
 
A Sra. Secretária de Estado da Defesa Nacional escreveu no Diário de Notícias um artigo no qual desfolha os progressos no sentido da igualdade do género no nosso país, referindo que "no fim do dia, a polémica criada, nos últimos meses, sobre a reforma dos estabelecimentos militares de ensino resumiu-se a isso. Garantir que as mulheres continuariam sem entrar no Colégio Militar".
 
Se a Sra. Secretária de Estado da Defesa Nacional se desse ao trabalho de ouvir, que é uma das características fundamentais de uma líder ou de um líder, teria percebido que, no fim do dia, não é isto que está em causa.
 
A posição da AAACM não é contra a entrada de mulheres no Colégio Militar. As 35 personalidades que escreveram ao Presidente da República não são contra a entrada de mulheres no Colégio Militar. Os Antigos Alunos em geral não são contra a entrada de mulheres no Colégio Militar. Ninguém é contra a entrada de mulheres no Colégio Militar. As pessoas pedem ponderação. Diálogo. Reflexão. Prudência. Porque entre as medidas propostas há algumas que são verdadeiramente "assassinas", como por exemplo a admissão de alunos internos para o 10º ano. E há outras que têm tudo para correr mal se não forem bem pensadas, como a coexistência de internato masculino e feminino no mesmo "campus".
 
Poupança? Tenham dó... a primeira medida é "enterrar" vários milhões de Euros a construir um edifício que ninguém sabe se vai ser necessário ou se está adequadamente dimensionado...
 
Exmo. Sr. Ministro da Defesa Nacional, Exma. Sra. Secretária de Estado da Defesa Nacional, apenas peço aquilo que todos os Antigos Alunos pedem: ponderação, diálogo e prudência. Se realmente não querem destruir uma instituição com mais de 200 anos e inequívocos serviços prestados à Pátria, trabalhem com a AAACM e as restantes entidades envolvidas no sentido de se conseguir uma reforma que atinja os objectivos financeiros e de igualdade de género sem matar o Colégio.

Mas já sei a resposta de V. Exas. a este meu apelo: "não queremos saber".