O Curso de Pára-quedismo (Parte II)
Continuação de O Curso de Pára-quedismo (Parte I).
A Instrução
A instrução de pára-quedismo, como qualquer instrução militar, é baseada na repetição de gestos "até à exaustão", para que as actividades se tornem mecânicas e sejam executadas de forma expontânea, sem pensar, sobretudo nas situações em que, se pensassemos, provavelmente não executavamos a acção.
Por isso, cada uma das partes do salto é treinada em separado e em grande detalhe: os procedimentos de saída do avião, a contagem até à abertura, a verificação da calote, a preparação da aterragem, o enrolamento na aterragem, a neutralização dos arrastamentos, etc.
O processo de saída de um Aviocar é o mais simples que há: basta ir a correr atrás do camarada que nos precede e saltar pela porta fora. Apesar disso, somos treinados para memorizar uma série de gestos que nunca teremos a oportunidade de executar, como forma de manter o nosso cérebro ocupado antes do salto.
O processo de saída de um avião mais pequeno já apresenta algumas complicações, devido à dificuldade que há em sair até à asa, o que nos dá muito tempo para pensar "o que é que eu estou a fazer aqui?". Nessa situação, já sabemos que a bota do instrutor ganha um papel especial no processo de saída, podendo funcionar como um auxiliar para vencer o vento que nos cola contra a fuselagem e faz com que tenhamos alguma dificuldade em largar a asa.
Treinámos as saídas em simuladores dos diferentes modelos de aviões e na Torre de Saída, aprendendo o "trezentos-e-trinta-e-um - trezentos-e-trinta-e-dois - trezentos-e-trinta-e-três - trezentos-e-trinta-e-quatro" que representa o tempo necessário para a abertura do pára-quedas. Na prática, no Aviocar não chegamos ao "trezentos-e-trinta-e-um", e num avião mais pequeno não chegamos ao "trezentos-e-trinta-e-dois", mas é mesmo esse o objectivo: que o pára-quedas abra enquanto estamos ocupados a contar.
Uma das partes mais importantes de treinar é a manobra de aterragem. Ao chegar ao chão, o corpo do pára-quedista traz energia cinética que é necessário dissipar, e uma aterragem correcta é a que permite uma dissipação progressiva pelas partes mais resistentes do corpo. Por isso, a manobra de aterragem é treinada inúmeras vezes, procurando assim evitar que o pára-quedista cometa um dos maiores erros, que é o de tentar ficar de pé.
Uma das partes mais divertidas do treino foi a dos arrastamentos, e foi precisamente a que causou a primeira "vítima".
Imediatamente após a aterragem, se o pára-quedista não se levantar depressa e se o pára-quedas continuar "cheio", o pára-quedista poderá ser arrastado pelo chão até que o pára-quedas encontre um obstáculo ou o vento diminua e o pára-quedas se "feche".
Para conseguir que o pára-quedas se "feche", o pára-quedista tem que se virar de barriga para baixo enquanto é arrastado e puxar os cordões correspondentes à parte da calote que está a arrastar pelo chão. Terá que puxar os cordões com firmeza, porque se um golpe de vento tentar encher a calote, os cordões queimam os dedos ao deslizar dentro das mãos.
Foi precisamente nesta manobra que as coisas não correram bem ao "Escroque" (238/77)... Enquanto tentava puxar os cordões e evitar respirar as "toneladas" de pó que se levantavam com o arrastar do pára-quedas no campo de futebol da BETP, cenário utilizado para as nossas simulações de arrastamentos, veio uma rajada de vento e ele não foi capaz de segurar os cordões. Resultado: uma passagem na enfermaria para tratar as queimaduras e "entrapar" completamente as duas mãos.
Apesar do incidente e de não conseguir usar as mãos, o "Escroque" manteve a sua determinação e a instrução não parou...
Continua em O Curso de Pára-quedismo (Parte III).
Fotografias extraídas de http://fotos.paraquedistas.com.pt.
1 comentário:
Chagas, fizeste-me recordar os meus bons anos de paraquedista.... Todas as tuas palavras foram recordadas intensamente...
Continua em grande....
"Que nunca por vencidos se conheçam."
Enviar um comentário