quarta-feira, março 22, 2006

Memórias do Baú XXXVII - O "Enxoval" (Parte IV)

Continuação de Memórias do Baú XXIII - O "Enxoval" (Parte III).


As Botas de Atanado

Não fosse a minha memória ser uma "miséria", teria certamente material para escrever várias páginas sobre as botas de atanado.

As botas de atanado eram usadas com a farda interna (de cotim), até ao fim da década de 70. Eram feitas de pele, sem atacadores, com bandas elásticas de cada um dos lados, e uma "pega" na parte de trás para ajudar a calçar.

Devido ao facto de serem compradas com folga, para darem para alguns anos, e de não terem atacadores, as botas andavam "à solta" no pé, o que conferia um som "oco" e arrastado ao andar, já que o calcanhar da bota batia sozinho no chão, e só depois chegava o calcanhar do pé, depois de um ligeiro arrastar do calcanhar da bota.

O facto de as botas estarem largas facilitava o calçar e o descalçar: para calçar, bastava enfiar o pé; para descalçar, bastava dar um "pontapé no ar", que a bota "voava"...

Com mais ou menos pontapés em pedras, a parte inferior/frontal da sola começava a descolar. A partir de uma certa amplitude, o andar passava a ser acompanhado do barulho da sola a bater na bota ou a arrastar pelo chão quando o pé ia para a frente. Havia camaradas que tinham alguma "inércia" em mandar arranjar as botas, o que fazia com que andassem com elas descoladas durante semanas.

Para não apodrecerem, as botas de atanado tinham que ser ensebadas, o que normalmente era feito no fim de cada período escolar. Ensebadas... que conceito "jurássico". Mas quem não se lembra do cheiro, da cor e do toque de umas botas de atanado acabadas de ensebar?

Duas imagens que me "saltam à memória":

1) o "Peçonha" (442/77) a marchar (semanas?) com as solas das duas botas completamente descoladas... schlak, schlak, schlak...

2) O "Chaminhas" (475/77) a tentar atravessar o campo de obstáculos cheio de lama, só pela diversão, com os pés a sairem e as botas a ficarem completamente enterradas...

Continua em Memórias do Baú XLII - O "Enxoval" (Parte V).

3 comentários:

Anónimo disse...

Boa.
Já não me lembrava das botas.
Foi talvez uma das maiores razões de diversão que me ocorre.
Lembras-te do barulho que as botas faziam quando se corria com elas descoladas? Pareciam um cão com a língua de fora. E quando a sola enrolava quando se corria com "a língua de fora".
Altamente :-) Sou criança outra vez...

Anónimo disse...

Eu acho que ele tinha uma predilecção pelo som que a bota fazia ao andar e foi por isso que demorou tanto tempo a 'colar' a sola ... schlak, schlak, schlak... :D
Mas havia outra consequência das botas serem largas: deformavam ao andar, especialmente lateralmente com o pé apoiado nos lados de dentro de cada bota! Lembro-me que o Zagalo tinha um andar peculiar por causa disso :)

Rantas disse...

Pormenor bem lembrado, Chagas. As botas eram curtidas, especialmente com os efeitos audio do "schlak, schlak, schlak". Também gostava particularmente do "schlurf schlurf schlurf" resultante das travessias do picadeiro transformado em mar de lama.
Quanto à "inércia", já não concordo, pelo menos no meu caso. Tratava-se mais de uma opção filosófica... :D

Peçonha, 442/77