sexta-feira, setembro 13, 2013

Reforma dos EME: Sexo Consensual vs Violação

Esta semana, pela primeira vez em 210 anos, foram admitidas meninas como alunas do Colégio Militar (CM). Não há dúvidas de que se trata de um momento histórico. Então porque é que eu não estou a exultar de alegria?

Sempre fui aberto à entrada de meninas no CM, sempre acreditei que isso ia acontecer mais tarde ou mais cedo, e sempre acreditei que isso iria acontecer por fusão com o Instituto de Odivelas (IO). Até o escrevi há 8 anos num documento que circulou na comunidade de Antigos Alunos. Então porque é que eu não estou a exultar de alegria?

Sempre imaginei um momento em que, independentemente das questões financeiras, as partes envolvidas, num processo bem conduzido pela tutela, concordariam que era possível fundir os 3 Estabelecimentos Militares de Ensino (EME) num só, seguindo o modelo de alguns prestigiados colégios ingleses, e que o escolhido seria o CM, pela sua maior antiguidade, maior prestígio, e melhores instalações. Sempre imaginei que o modelo seleccionado permitiria preservar o que de melhor existe nos 3 EME, mantendo turmas com ensino diferenciado para quem o desejasse, mantendo Batalhões separados por género para respeitar a especificidade e desenvolver as capadidades de liderança de ambos, mantendo um número de alunos(as) externos(as) limitado para não destruir o internato, mantendo as tradições, etc.

É claro que isso levaria a uma mudança no CM, mas o CM tem mudado ao longo dos anos, tem-se adaptado à conjuntura em que se insere, e continuaria a fazê-lo, mantendo no entanto o espírito do seu Fundador.

Mas porque é que eu não estou a exultar de alegria?

Não estou a exultar de alegria porque existe uma diferença - toda a diferença do mundo - entre sexo consensual e violação, apesar de, em termos objectivos, serem ambos sexo.

A reforma actual foi montada e executada contra tudo e contra todos, devido à obstinação de um homem que usa de forma autoritária o poder que foi colocado à sua disposição. Esta reforma acontece desta forma essencialmente por dois motivos simples: porque ele quer e porque ele pode.

Os Antigos Alunos do CM foram violados porque andam desde o ano 2000 a fazer estudos sobre o futuro do Colégio, e a tentar convencer a tutela de que é necessário fazer mudanças, sem que ninguém quisesse pegar no tema. Neste processo de mudança foram propositada e ostensivamente ignorados, não tendo resposta às cartas escritas, aos pedidos de audiência, e aos apelos feitos. Além disso, sem que a sua opinião fosse ouvida e discutida, foram chamados pelo poder político de retrógrados, machistas, elitistas, e até de corruptos, com insinuações sobre a proveniência do dinheiro usado na campanha publicitária.

As Antigas Alunas do IO foram violadas porque foram informadas de que a sua escola seria extinta sem terem qualquer possibilidade de intervir no processo, nem para o evitar, nem para o condicionar. Tal como os Antigos Alunos do CM, viram os seus apelos ignorados e tiveram direito aos mesmos "piropos" com que estes foram mimados. Não tendo entre as suas Antigas Alunas Generais, ex-Ministras, etc., foram "trituradas" com muito mais facilidade pela "máquina".

Os pais e encarregados de educação do CM e do IO foram violados porque nunca ninguém quis discutir com eles o futuro das escolas onde decidiram colocar os seus filhos. "Isto é assim, e se não gostam ponham os vossos filhos noutra escola qualquer", foi a mensagem que acabaram por assimilar de todo este processo. Naturalmente que também os(as) respectivos(as) filhos(as) e educandos(as) foram violados(as) neste processo, mas se a opinião dos pais e encarregados de educação é considerada irrelevante, muito mais irrelevante será a opinião de crianças e adolescentes.

O Director do IO foi violado porque enviou uma mensagem de simpatia e esperança aos pais e encarregados de educação das alunas, e teve imediatamente direito a "um novo desafio".

Um conjunto de figuras de peso na sociedade, que foram signatários da carta ao Presidente da República, bem como diversos comentadores que se manifestaram a favor do diálogo e do bom-senso, foram violados porque as suas opiniões foram simplesmente ignoradas. Foi como se nunca tivessem sido proferidas.

A Sociedade Civil, através de milhares de pessoas que manifestaram nas redes sociais simpatia para com o CM e o IO, apelando à procura de uma solução mais adequada, foi violada. São "povo", e a sua voz "não chega ao céu".

Tudo isto acontece enquanto o Ministro tece rasgados elogios ao ensino dos EME, apresentando-se como o maior defensor dos mesmos.

A imprensa comentou que, "apesar da polémica, as meninas foram bem recebidas..." Claro. O que é que imprensa esperava? Que as meninas e os respectivos pais e encarregados de educação, que não têm qualquer responsabilidade nesta "palhaçada", fossem maltratados numa instituição onde o respeito é um dos principais valores transmitidos? O Director do Colégio Militar fez o seu papel: garantir a harmonia e o bem-estar dos alunos e alunas colocados à sua responsabilidade.

Aquilo que podia ter sido um momento especial para toda a comunidade dos 3 EME, acaba por ser um momento em que um Ministro, com a respectiva "máquina", se impõe com autoritarismo sobre duas instituições e os respectivos representantes, e choca mais porque nem sequer houve conversa para perceber se se chegava a um entendimento, partiu-se logo para a violação.

Como acontece com todas as violações, a vida continua, mas as marcas demorar a sarar, e há algumas que ficam para sempre.

Acima de tudo, fica no ar a pergunta que os Antigos Alunos fizeram na sua campanha: "porquê?"

10 comentários:

Anónimo disse...

Muito bem, Chagas.

Abraço,
Lérias

Anónimo disse...

Muito bem, mas o jogo está muito longe de acabar. Ainda agora começou! Não devemos ser de forma alguma conclusivos quanto a isto ...!!

Anónimo disse...

Muito bem Pedro Chagas


444/58

Unknown disse...

Muito bem! A diferença entre a violação e o sexo consentido é que a primeira é crime e o culpado é condenado. É uma questão de tempo...
249/80

Lourenço de Almada disse...

Muito bem!

Infelizmente na oposição foram usadas "luvas de pelica ou de renda" e antes deveriam ter sido usadas "luvas de boxe" porque a luta foi sempre muito desigual.

Abraço, Lourenço de Almada
(actual representante genealógico do 1º aluno com o nº 94, em 1815, D. Antão José Maria de Almada, 2.º Conde de Almada)

Anónimo disse...

Estavas inspirado, bem escrito.

Anónimo disse...

"A reforma actual foi montada e executada contra tudo e contra todos, devido à obstinação de um homem que usa de forma autoritária o poder que foi colocado à sua disposição."
Caso a pessoa que tenha escrito este texto (onde se inclui o excerto citado) seja militar, não deve reconhecer o dever de obediência hierárquica, tão propalado pelo militares. Ou então, é só para obedecer quando se concorda...

Anónimo disse...

Apenas uma palavra: Excelente!
Vítor NG

Anónimo disse...

Acho graça quando falam tanto de respeito e dos valores que são ensinados no CM mas a verdade é que quando saem daí não passam de miúdos frios e desesperados por liberdade, sexo (sim, porque muitos chegam aos 18 anos sem nunca ter tido qualquer experiência, e quando saem da "gaiola" só querem correr atrás de saias), e tudo isto sem qualquer respeito e consideração pela Mulher. Mas o cinismo é tal que aqueles que mais o fazem são os primeiros a sentirem-se insultados, pois consideram-se tão dignos e respeitadores (dizem que foram educados numa prestigiada e antigainstituição)

Falam muito de respeito e por isso mesmo me desiludo mais convosco quando vejo que os miúdos saem do CM educados para tudo menos para o respeito da Mulher. Vivem habituados a um mundo de homens, de grupos machistas, assim crescem, assim se formam. "Mas do que é que vale educar a mente sem educar o coração?"

João Gonçalves disse...

"Um conjunto de figuras de peso na sociedade, que foram signatários da carta ao Presidente da República, bem como diversos comentadores que se manifestaram a favor do diálogo e do bom-senso, foram violados porque as suas opiniões foram simplesmente ignoradas. Foi como se nunca tivessem sido proferidas."
Caro Pedro Chagas, tenha calma. Então agora quando uma pessoa ou conjunto de pessoas dá uma opinião e quem tem de tomar decisões toma uma decisão que não vai ao encontro dessa opinião, isso significa que "ignora"? Que "viola"?
A mim não me parece que o governo esteja a "matar" os EME, mas talvez, que esteja a salvar este tipo de ensino, porque o Estado está falido. FALIDO, o que será que é tão difícil de perceber nesta palavra? Cortam-se ordenados e pensões, aumentam-se brutalmente os impostos, despedem-se milhares de pessoas, fecham-se inúmeras instituições, cancelam-se e interrompem-se a meio obras públicas, reduzem-se as Forças Armadas e as Forças de Segurança, fecham-se hospitais e centros de saúde, etc, etc, etc. Neste quadro será aceitável para o cidadão comum continuar a subsidiar os EME com os seus impostos? Porque é disso essencialmente que se trata, mas disso poucos querem falar.
João Gonçalves