sábado, setembro 07, 2013

Reforma dos EME: A Negação da Democracia

Por vezes, quanto mais básicos e fundamentais são os direitos, mais veementes somos a exigi-los para nós, e mais rápidos somos a negá-los aos outros. A presunção da inocência é um dos exemplos mais simples: somos muito rápidos a julgar os outros, que são sempre uns “bandidos”, mas nós somos inocentes até que a última instância confirme a condenação (e mesmo depois disso).

A responsabilidade do estado é zelar pelo respeito dos direitos dos Cidadãos, para evitar a “justiça popular” e a tomada de decisões contrárias aos interesses e às necessidades das populações. Esta é a essência da Democracia: representantes eleitos pelo povo que gerem os bens e serviços comuns no interesse de todos.

É por isso que há inúmeros mecanismos na lei para que as pessoas possam tomar conhecimento das propostas de decisão e possam discuti-las e apresentar alternativas. Um exemplo: os processos de Concertação Social. O Governo pode não ceder um milímetro nas suas posições, mas é obrigado a discuti-las com os Sindicatos. Outro exemplo: os projectos urbanísticos. É obrigatória a exposição pública durante um determinado período, para que os Cidadãos possam tomar conhecimento, discutir, apresentar alternativas, etc.

Não interessa se as decisões são as “melhores”, os governados têm sempre direito a discuti-las. Uma ditadura com petróleo, onde toda a gente tem uma boa casa, um bom carro e um bom ordenado, não deixa de ser uma ditadura, porque nega às pessoas aspectos fundamentais como o de poderem decidir sobre quem os governa, discutir a forma como os governa, e de poderem candidatar-se a governar.

A reforma dos Estabelecimentos Militares de Ensino (EME) sofre na sua base desta negação da Democracia. As entidades que têm relações mais fortes com os EME – Associações de Pais e Encarregados de Educação, e Associações de Antigos(as) Alunos(as) – , sendo que as primeiras têm até um estatuto específico definido pela lei, não foram envolvidas no processo e não tiveram a oportunidade de discutir a solução proposta, criticá-la, apresentar alternativas, etc.

Não se confunda “serem envolvidas” com “serem ouvidas”. Um decisor pode ouvir todos os envolvidos, registar as suas opiniões, e depois tomar uma decisão e comunicá-la. Isto não é Democracia, é autoritarismo com uma camada de verniz. Democracia é ouvir os envolvidos, preparar uma proposta de decisão, apresentá-la aos envolvidos, ouvir os seus argumentos, e tomá-los em consideração. No fim será necessário tomar uma decisão, e alguém está mandatado para o fazer, mas não o terá feito sem discutir com todos os envolvidos e lhes dar uma oportunidade para conhecerem e criticarem a solução.

A reforma dos EME seguiu o caminho do autoritarismo com uma camada de verniz. As Associações que mostraram interesse em ser ouvidas foram ouvidas, a sua “papelada” foi recebida, não houve qualquer comentário, resposta ou partilha da outra parte, e uns meses depois apareceu um relatório final, logo seguido por um Despacho a dizer o que ia ser feito e como ia ser feito, sem que tivesse havido qualquer possibilidade de discussão.

A reforma dos EME é, assim, um atentado à Democracia, e por isso deve ser imediatamente suspensa. Não são precisas análises sobre o mérito da solução proposta; o simples facto de esta ter sido obtida de uma forma que não respeita a Democracia deve ser suficiente para que o processo volte para trás.

Acham que esta argumentação é ridícula? “Por vezes, quanto mais básicos e fundamentais são os direitos, mais veementes somos a exigi-los para nós, e mais rápidos somos a negá-los aos outros”. Acham que um Governo tem o direito de decidir o futuro do Colégio Militar e do Instituto de Odivelas, instituições centenárias e com prestígio, sem que as respectivas Associações de Pais e Encarregados de Educação – que representam os interesses dos(as) alunos(as) actuais – e Associações de Antigos(as) Alunos(as) – que garantem a manutenção do modelo ao longo dos anos e têm como associados(as) alunos(as) dos últimos 70 anos – tenham a possibilidade de conhecer e discutir a solução proposta? Pensem num tema qualquer que vos é querido, em relação ao qual sentem que têm direitos, e onde acham que a vossa opinião é importante, talvez mesmo fundamental, e depois imaginem vir alguém e tomar decisões sem as discutir com vocês... iam achar que o procedimento não fazia qualquer sentido.

Este é o tema central da discussão, e tudo o resto pode ser dividido em duas categorias, que serão abordadas noutros posts: o “porquê” – porque é que o Governo utiliza neste tema autoritarismo com verniz? – e o “ruído” – todas as informações que têm sido passadas com o objectivo de entreter a imprensa, ocupar as outras partes em desmentidos e esclarecimentos, e manipular a opinião pública, enquanto o processo vai avançando.

Sem comentários: