Continuação de Memórias do Baú LXXII - O "Cadastro" (Parte II).
O Furto das "Guloseimas"

Estávamos no 2º ano, no fim do ano lectivo de 1978/79, e fomos para o Pavilhão dos Desportos (actual Pavilhão Carlos Lopes) treinar para o Sarau de Fim de Ano que se ia realizar no dia seguinte.
As diversas classes sucediam-se num ensaio geral especialmente demorado, devido aos últimos acertos, e o tempo era marcado essencialmente por duas sensações: tédio, porque para quem não estava a ensaiar não havia nada para fazer, e fome, porque a tarde já ia longa e não havia nada para comer.
Foi então que, como que "por magia", apareceram nas bancadas umas sandes de pacote que, depois de partilhadas, acabaram por servir para pouco mais do que "enganar" a fome. Apesar de não ter havido muitas perguntas, era óbvio para os presentes que as sandes tinham uma origem ilícita, e que isso nos podia trazer problemas.
O Sarau realizou-se, o ano lectivo acabou, e fomos todos para casa, ser pensar mais nas sandes. No entanto, no ano lectivo seguinte, o longo braço da justiça estava à nossa espera...
Iniciou-se então uma investigação especialmente complexa, devido ao número elevado de "arguidos" e ao facto de ter já passado algum tempo e já ninguém se lembrar (ou não se querer lembrar) muito bem do que tinha acontecido. As coisas ficaram ainda mais complicadas quando percebemos que a queixa apresentada referia uma dimensão muito superior àquela pela qual reconhecíamos ser responsáveis, o que deixava antever que tinha havido outros camaradas a ter a mesma ideia, ou que a queixa tinha sido propositadamente exagerada para a obtenção de uma compensação mais elevada.
Ao fim de vários meses, os oficiais acabaram por se render à evidência de que, face às variáveis em jogo, nunca iriam conseguir perceber exactamente o que tinha acontecido, e acabámos por nos "safar" apenas com uma repreensão escrita.
Houve dois aspectos muito relevantes para mim neste processo: em primeiro lugar, ficámos com um "peso na consciência" por termos feito uma acção que, para além de ter consequências disciplinares para nós, prejudicou a imagem do Colégio; em segundo lugar, ficou muito claro para nós que éramos todos responsáveis no mesmo grau, independentemente de quem furtou, quem vigiou, e quem só comeu, sabendo ou suspeitando de onde vinham. O texto da punição foi, aliás, igual para todos, referindo-se às sandes como "guloseimas", talvez para reforçar a censurabilidade do acto.
Há um ditado popular que diz que "tão ladrão é o que vai à horta, como o que fica à porta". A isto, a nossa experiência acrescentou "como o que, mesmo não metendo lá os pés, usufrui conscientemente dos produtos hortícolas furtados".
Continua em Memórias do Baú LXXVI - O "Cadastro" (Parte IV).