A Punição Que Eu Não Tive
Na sequência da publicação das punições que eu tive (Memórias do Baú LXXIII, LXXVI e LXXVIII), e para ilustrar as particularidades da justiça colegial que referi em Que Pesos, Que Medidas?, nada melhor do que utilizar um exemplo que se passou comigo, ou seja, uma punição da qual me safei... à conta do meu pai.
Estávamos no fim do 7º ano, na semana de campo, realizada em Mafra.
A prova de orientação era geralmente o "ponto alto" da semana de campo, na qual se coleccionavam as histórias mais interessantes: patrulhas perdidas, boleias apanhadas, etc. A formação das patrulhas ficava ao critério dos alunos, pelo que se estabeleciam grupos em função dos objectivos: sobreviver ou competir para ganhar.
A minha patrulha era geralmente uma das que lutava para sobreviver. A prova era para fazer com calma... até porque nunca ficou demonstrado que houvesse alguma vantagem em fazê-la depressa... ;-) (não estou a ser inteiramente justo: havia medalhas para a patrulha vencedora).
A minha patrulha estava à procura do ponto "n", que sabíamos (por colocação das coordenadas do ponto na carta militar) que se localizava na estrada que delimita a tapada. Íamos, por isso, seguindo a estrada até encontrar o oficial que havia de colocar o comprovativo de passagem na nossa caderneta.
Ao fazer uma curva, lá estava ele: o Tenente Fernandes (não tenho a certeza de que fosse este o nome, mas o jags pode confirmar), um Tenente "veterano", daqueles que evoluiu "a pulso" a partir de soldado, e que, certamente farto de uma carreira inteira a aturar Oficiais Superiores e Oficiais Generais, tinha agora sido "condenado" a ir para o Colégio aturar os filhos destes.
O Tenente Fernandes assinou a nossa caderneta e deu-nos as coordenadas do ponto seguinte, e nós lá fomos à procura deste.
Quando, depois de uma boa caminhada, chegámos ao ponto seguinte, o Oficial presente no mesmo olhou para a nossa caderneta e disse-nos que tínhamos falhado um ponto, uma vez que tínhamos todos os pontos até ao "n-1", e depois tínhamos o "n+1" e (agora) o "n+2". Percebemos então que o Tenente Fernandes estava no ponto "n+1" e não no ponto "n", e que tínhamos encontrado o "n+1" por acaso, quando procurávamos o "n".
Voltámos para trás, decididos a procurar o ponto "n", mas ao passar pelo ponto "n+1", fomos pedir satisfações ao Tenente Fernandes sobre o que achávamos ter sido uma "falta de colaboração" da parte dele ao "esquecer-se" de nos informar que não era aquele ponto de que estávamos à procura.
A discussão foi intensa e eu ter-me-ei excedido, porque às tantas o Tenente "passou-se" e "procedeu à minha identificação", ameaçando punir-me. Achei que a ideia lhe ia passar, o que não era invulgar, mas fui chamado uns dias depois ao gabinete dele, e aí percebi que a coisa estava "preta".
Depois de uma "seca" em que me disse que exigia respeito, que tinha idade para ser meu pai, etc, etc, foi ao dossier buscar o meu "cadastro", gesto que apreciei, dado que o "cadastro" jogava geralmente a meu favor.
Deteve-se logo no início, e perguntou-me: "és filho do Chagas do Serviço Não-Sei-Quantos de Não-Sei-Onde?". Eu confirmei, e aí a "seca" mudou de rumo: que não era certamente esta a educação que o meu pai me tinha dado, que ele ia ter um desgosto, etc, etc.
Depois de ter "desabafado", disse-me: "diz ao teu pai que eu quero que ele venha cá falar comigo".
Só há poucas semanas perguntei ao meu pai qual tinha sido exactamente o teor da conversa. Na altura, interessou-me mais o resultado: não levei "seca" do meu pai e, sobretudo, não fui punido.
Fez-se justiça... colegial.
7 comentários:
De tudo o que lhe disse, o que lhe fez "saltar a tampa" foi quando eu lhe chamei "anjinho": "O meu Tenente [note-se o respeito do tratamento... ;-)] é um 'anjinho'. Não fazia ideia nenhuma de que nos estava a enganar".
Depois de uma vida a "bater a pala" aos putos recém-saídos da Academia, há alguém que tem a "lata" de lhe chamar "anjinho"... não há paciência!...
As semanas de campo, pelas quais também passei, eram, na minha opinião, ocasiões de reforçar a amizade e camaradagem entre o pessoal, ou pelos menos entre alguns grupos. O companheiro que nos encorajava na caminhada da prova de marcha pelas estradas de Mafra, quando já levava os bofes de fora, e o cano da G3 a arrastar pelo chão, a fazer faísca. Eh eh eh. Uma noite passada à fogueira, na conversa, a assar um chouriço, enfim... Tive também uma outra experiência assim, éramos nós ainda muito novitos, no Magoito. Lembram-se? À noite, em redor da fogueira, com os "gags" e imitações do 333- Durão. Inesquecível.
Magoito, fim do 3º ano. Lembro-me da música do 512 sobre o Pina.
Acho que o Salgueiro também foi um dos "Reis da festa".
Jags, tens razão, foi no 6º ano. As patrulhas tinham só malta do nosso curso, o que deixou de acontecer nos anos seguintes.
Não me lembro da constituição da patrulha, mas lembro-me de chegámos todos "partidos" ao acampamento.
Parámos uns metros antes, recuperámos forças, e entrámos no acampamento formados e em passo de corrida. :-)
Já não recordo exactamente o sítio (Gerês?), mas estávamos acampados relativamente perto de uma estrada (50m+-). Deveriam ser perto das 6 da manhã e a minha patrulha estava de guarda. A dada altura o gajo do posto mais perto da estrada informa que uma carrinha Ford Transit estava empanada e que precisava de um empurrãozinho. Na altura optei e bem, por escolher um bom posto de observação e ir rapando uma latinha de conserva. Começam a empurrar, a carrinha vai deslizando, até que de repente dá um solavanco, faz que pára mas não pára, tosse, estrebucha, esperneia e vomita um fumo tão negro e tão grosso que os engole por completo. Simplesmente desapareceram. Socorro! Chamem o Mulder, a Sculy, alguém!Parecia um episódio dos "Ficheiros Secretos"! Quando o fumo assenta, há cinco seres luzídios, tipo varejeira, no meio da estrada. O que estava pior era, curiosamente, o Javardo. Coitado. Tinha ficado exactamente em frente do tubo de escape. O Javardo que nós conhecíamos, aquele tipo asseado e preocupado com a aparência, simplesmente tinha desaparecido.Tinha-se literalmente evaporado. Kaput, zip, nicles, zero. Agora quem aparecia diante nós era uma enorme mancha de óleo queimado, com duas pernas e um cheiro absolutamente pestilento. Parecia o Darth-Vader. O verdadeiro "Anti-Midas". Tudo em que tocava se transformava em merda. Mas não numa merda qualquer. Era um tipo de merda que tinha que ser imediatamente enterrada. Foi horrível. Já não me recordo quanto tempo demorou para tirar aquela camada de "coisa" preta, mas de certeza que foi muito. Acho até que tiveram de lhe fazer uma raspagem....
Do sempre vosso,
Paulo Salgueiro 361/77
Também assisti à cena "em directo", mas não me lembro do local. O Javardo foi o mais solícito a ir ajudar, e foi o que ficou em pior estado.
O jags vai já dizer onde foi, em que dia e a que horas... ;-)
O álcool veio de um "tasco" que havia a umas centenas de metros, onde nós íamos pedir bebidas que inventávamos (lembro-me do "Scratch" de Laranja), o que deixava o homem louco porque o fornecedor nunca lhe tinha falado naquilo.
Ele vendia-nos o que quisessemos, incluindo bebidas alcoólicas. Afinal de contas, na terra dele era normal putos de 14/15 anos beberem Whisky e afins.
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